A cadeira, a cruz e a ausência.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008



Olhar para a cadeira pintada por Van Gogh é encontrar aquilo que já se foi. O quadro é simples, tendo como objeto central uma velha cadeira de palha. Com um olhar mais atento observamos um cachimbo e ao seu lado algo parecido com cinzas de fumo... Atrás da cadeira também vemos uma caixa de madeira, parte dela... O que mais nos marca ao vermos este quadro não é bem o que nele contém, mas aquilo que nos remete... Somos lançados para o desconhecido, para uma ausência. Alguns se perguntam sobre quem era a pessoa que fumava seu cachimbo, outros vão mais além, lembram-se da casa de seus avós, da saudade da infância, sentimos saudade daquilo que nos cativou. Para o autor da obra este quadro poderia ter outro significado, porém o mistério deste quadro é justamente este, não há objetividade, em sua simplicidade a pintura nos leva ao desconhecido, a vários sentimentos como busca, saudade, nostalgia... Ao pensarmos sobre este quadro passamos a entender sobre os símbolos, sua importância e como são fontes inesgotáveis de sentidos inacabáveis...


As crianças são especialistas na arte de enxergar símbolos. Teus desenhos lhes fazem sonhar, possuem dinamismo, possuem histórias cheias de significado. Quando adultos temos uma tendência a ignorar estes valores, somos até mesmo arrogantes em nossos métodos e concepções acerca do que é arte, do que é concreto e verdadeiro. Talvez por isso os adultos, na história do Pequeno Príncipe, não conseguiam ver o desenho da jibóia engolindo um animal, viam apenas um chapéu, não conseguiam sonhar com aquele desenho mesmo que a criança lhe explicasse o sentido original. “As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar toda hora explicando.” [1]


Para a fé cristã os símbolos são essenciais. É com fé se relatou os eventos bíblicos e é com fé que devemos lê-la. Da verdade da Páscoa depende a fé cristã. “... se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossa fé” (1 Corintios 15.14). Refletindo sobre a obra de Van Gogh logo me lembro da Cruz. A cruz vazia nos remete a ressurreição. Ao olhá-la procuramos por Cristo, lembramos de Cristo. Quando percebemos a cruz pelos olhos da ressurreição, esta não se faz como um ato isolado do passado, mas como realidade do presente. Não temos provas da ressurreição. O sepulcro vazio nos mostra que ele não estava mais lá, mas nada prova sobre a ressurreição. A aparição de Cristo aos jovens no caminho para Emaús também não é prova, poderiam dizer que se tratava de uma interpretação subjetiva dos discípulos. As aparições pascais tiveram o seu tempo, elas não se repetiram em épocas posteriores ( 1 Corintios 15.8). A fé na ressurreição não se baseia somente no que apóstolos e as mulheres (Lucas 24.1-12) disseram. Jesus não deixa de revelar-se como vivo aos que nele depositam sua confiança. A realidade da ressurreição é dinâmica, ela ocorre como um fato no passado e como um fato do presente. Quem procurá-lo entre os vivos o encontrará. No Espírito Santo o Cristo vive em nós (Atos 2.1 ss, João 14.16 ss) .


Assim como aquela pessoa que se lembrou do aconchego da casa dos avós ao ver a cadeira vazia. Ao ver a cruz a pessoa que sentiu o amor presente na relação com Cristo se lembra deste, se conforta no fato de que apesar da cruz, houve ressurreição. A simples ausência não caracteriza a saudade, pois não temos saudade de tudo que ocorreu no passado, sentimos saudade daquilo que nos trouxe amor, que nos cativou. A cruz vazia não remete à ressurreição se o amor de Cristo por meio da fé não se fizer presente. O convite feito pela ressurreição é de se crer que a realidade que estamos acostumados, realidade de sofrimento, de tragédias, dores, morte, fuga da morte seja substituída pela realidade da ressurreição. Em que não vivamos como se fôssemos imortais, ignorando tudo o remete a morte, fugindo de tudo que é miséria, desespero, doença. Mas o contrário, encontremos Cristo vivo e oferecemos combate à injustiça, ao ódio, à violência, a toda morte nesse mundo. Em que não fugimos da morte, mas oferecemos resistência a ela.


“- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.” [2]
Referencias indiretas:
Joyce Rodrigues de Azevedo – Interpretações sobre a Cadeira de Van Gogh.
José S. Croatto - As Linguagens da Experiência Religiosa.
Paul Tillich - A dinâmica da fé.
Rubem Alves – Eu creio na ressurreição do corpo.
Referencias diretas:
Antoine de Saint-Exupéry - O Pequeno Príncipe([1] p. 02, [2] p. 32)

Publicado por Leandro Neres em 26/03/2008

9 comentários:

Letícia disse...

E eu que li o título, depois vi o quadro me sinto como uma criança tentando entender. Mas já tenho visão de gente adulta e o que vejo é uma cadeira antiga ou velha mesmo. Mas então, procuro ver com outros olhos. Olhos de quem acredita na arte como uma ponte que une nossos sentidos. Tento ampliar a estreita visão de gente adulta e vejo um quadro de Van Gogh, um texto perfeitamente elaborado, rico de sentido e rico em sabedoria. Como o pequeno príncipe, tento entender o sentido das coisas, mas observo antes. Por horas a fio.

Bjs, amigo.

Camila disse...

Eu queria ter a sensibilidade de uma criança, ou melhor, queria ter minha inocência de criança. Quando li pela primeira vez o Pequeno Príncipe, nem entendia por que os adultos não o entendiam, e eu tinha certeza absoluta que e nunca seria um adulto desses. Aqui estou eu, adulta, e admirada com sua sensibilidade, não só de criança, mas de artista e de fiel (à palavra). Eu nunca seria capaz de associar tudo isso ao quadro, algumas coisas sim, ou outra coisas diferentes, mas não isso que você tão sensivelmente enxergou.

Beijinhos, Leandro!

E, oh, nem se preocupe por ter saído do msn, eu também saí logo depois e minha internet até agora está me dando trabalho aqui pra ficar conectada.

disse...

Adoria não ter perdido tanto de minha inocente criança.
Mas hoje tento recuperá-la, muitas vezes é bem melhor voltar a ser criança e ver a vida com os olhos de criança.
Jamis pensei por esse lado a visão desse quadro de Vam Gogh, um dos que mais admiro.
Beijos meu lindo!
Rô!

Bruno Vox disse...

Demais o seu texto, parabéns.


p.s: Me recuperando do trabalho

Lorena disse...

Lembro desse texto no antigo Les Reveurs... e lembro que o achei fodástico! Continuo achando... =) Continuo achando os símbolos de uma beleza ímpar em qualquer situação, mas principalmente a simbologia metafórica (isso é pleonasmo?) que vc conseguiu nesse texto. É o tipo de viagem que eu tb faço, mas sem tanto talento para transformar em palavras. =)

beijos!

Zélia disse...

Feliz por estar aqui! Feliz por ter chegado aqui! Feliz por quem tem coragem! Feliz como quem tem fé! Feliz como quem acredita na realidade da ressurreição! Feliz apenas.

Para mim, um quadro - entenda-se quadro todo "objeto" posto em uma parede - é como um poema. Ele foi feito por um alguém para um outro alguém. Com um sentido que ganha asas dependendo dos olhos de quem vê. A cadeira vazia me lembra que alguém esteve ali. É preciso pensarmos o que foi feito ou o que fez esse alguém enquanto esteve por perto. Imagem é sentido. É significante. E, a cruz de Cristo é o quadro-poema mais belo e cheio de sentido e significante que existe. Alguém tinha uma missão e ela foi cumprida! Cabe a cada um de nós, olhos para ver e cumprir a nossa parte.

Um grande abraço, Leandro, e parabéns pelo seu trabalho.

Zélia :)

Thais disse...

Nossa vida é toda cheia de símbolos. Reler esse texto me lembrou da sensação que tive ao lê-lo - eu te admirei!!!
Aqui estamos nós, meses depois. Eu tenho meu olhar de criança treinado.. hahahaha, eu vejo como elas.
São os vazios que nos compõe. No vazio somos. No vazio admitimos que não temos tudo. No vazio o outro nos completa - assim como te ler ecoa no meu vazio.

Thais disse...

Ai, que bom que vc tirou aquela verificação de palavras chatas daqui.. hahahahahaha
ADORO VOCÊ :)

Ju disse...

Leandro!
Fui parar no "Bilhetes" pelo blog da Camila e cheguei até você!
Ganhei dois presentes num só dia!!!
Adorei!