Rostos em desfiguração - Invisíveis

terça-feira, 8 de abril de 2008

Isaías 50.4-9 [1]

O Senhor Deus me deu
língua de aprendizes,
para que eu saiba responder ao cansado.
De manhã em manhã desperta meu ouvido
para que eu ouça como os aprendizes.
O Senhor Deus abriu meu ouvido.

E eu não fui rebelde,
não recuei.
Dei minhas costas aos que batiam
e meu rosto aos que arrancavam (a barba).
Não escondi meu rosto
de afrontas e cuspidas.

Pois, o Senhor Deus me ajuda:
por isso não serei vencido,
por isso fiz de minha cara uma pedra.
E assim experimentado que não serei envergonhado.

Perto está o que me declara justo (= Deus):
Quem fará processo contra mim?
Apresentemo-nos juntos!
Quem é meu adversário de processo?
Apareça diante de mim!

É por isso! O Senhor Deus me ajuda:
Quem me poderá condenar?
(É isso! Todos eles irão se decompor como um vestido (velho)
a traça os comerá.)
Quem é este, presente neste texto, que se interroga, se desafia e contesta?
O autor do texto não pode ser identificado com precisão, porém sabe-se que relata uma experiência. Preparado, enviado por Deus. Ele é torturado por outros, mas sabe que não é abandonado no martírio. Ele é um aprendiz. Mas o que se ressalta é que este tem uma língua de aprendiz. Sua realidade é de alguém que sabe responder ao cansado. Identifica-se como um profeta. Também não se apresenta como discípulo, mas aprendiz... Ele pede para que tenha a mesma sabedoria para ouvir e se posicionar em sua realidade. Deus intervém. O aprendiz não foge, ele enfrenta sua realidade.
Ele sofre, é desonrado em sua face, cuspido na cara! Porém, com a ajuda do Senhor, faz de seu rosto uma pedra dura. Seu rosto é humilhado, desprezado, endurecido. Quando se fala do rosto se fala do todo da pessoa. O rosto expressa aquilo que ocorre com a pessoa.
O aprendizado se dá não só por aquilo que aprende dizendo e ouvindo, como é mostrado no inicio do texto. Na luta e na dor da vida também se aprende. O sofrimento não é encarado como destino, mas como luta. A dor e a luta não eram previstas pelo aprendiz, aqueles que estavam cansados (os exilados cansados Is 40.28s) se transformam nos cruéis inimigos! Estes passam, agora, a ser desafiados. Os piores adversários são aqueles que estavam próximo a ele... Os cansados são agora os torturadores! A experiência com o Senhor é de ajuda. O qual não o livra do sofrimento, mas se faz presente. Para o autor, com esta ajuda, não será vencido, eu sei que não serei envergonhado. Ele contesta, questiona seus torturadores. Deus o declara justo. Ao invés de lamentar, ele contesta. Esta milagrosa perseverança vem da ajuda divina. Ele provoca seus torturados porque tem certeza da justiça.
Nos rostos em desfiguração há liberdade para o grito, desafio provocador. A dor não é vista como destino, mas possibilidade de transformação. A não identificação do eu central no texto abre portas para que se pensemos nos rostos desfigurados de hoje.
O texto em Isaías traz uma provocativa: os torturadores são pessoas próximas ou pertencentes ao mesmo grupo do humilhado. Reservemos um tempo para olharmos estes rostos de pedra. Lembrar destes rostos invisíveis. Os rostos desfigurados são aqueles que estão invisíveis pela sociedade. Não é todo dia que paramos para observar e sentir a dor das pessoas que estão em situação desumana nas ruas de nossas cidades.
Do lembrar ao assumir estes rostos temos uma difícil travessia. Essa travessia inclui diversas dimensões. Como questionar as formas elitistas de governo que se preocupam primordialmente com o progresso econômico, formação de classes consumidoras, abdicando de programas que dêem acesso a educação pelos jovens, o que lhes empurram para os abismos da marginalização e da invisibilidade social. Numa dimensão teológica seja levar esperança para aquele (Isaías 50.4-9) sofre humilhação, mostrando a aprender a falar e a ouvir do Deus que se coloca junto a ele. E acima de tudo, ensiná-los a gritarem pelo seu direito de existirem em plenitude.
[1] Tradução Própria.

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